domingo, 18 de julho de 2010

Bodhisattvas

No buddhismo Mahayana, um bodhisattva (páli bodhisatta, chin. p'u-sa, jap. bosatsu/ bodaisatta, tib. jangchub sempa/ byang chub sems dpa') é um ser da iluminação, que está no caminho para alcançar o estado de Buddha.

Enquanto existir o espaço e os seres em sofrimento, continuarei a renascer no samsara para ajudar a todos os seres sencientes.

(Shantideva, Bodhicharyavatara)

Certos textos, como o Dashabhumika Sutra e o Rajaparikatha Ratnamala, descrevem os dez estágios que um bodhisattva deve atravessar até alcançar o estado de Buddha.

O primeiro estágio é Muito Alegre [sânsc. Pramudita], uma vez que o bodhisattva está exultante. Ele abandona os três impedimentos e nasce na linhagem dos Tathagatas. Pela maturação dessas qualidades, a perfeição da generosidade torna-se suprema; ele ilumina, com sua vibração, uma centena de mundos e se torna um grande senhor do universo.

O segundo estágio é chamado Sem Mácula [sânsc. Vimala] porque as dez ações virtuosas do corpo, da fala e da mente são imaculadas e ele permanece nelas de modo natural. Pela maturação dessas qualidades, a perfeição da ética torna-se suprema; ele se torna um monarca universal que auxilia os seres, senhor dos quatro continentes gloriosos e das setes substâncias preciosas.

O terceiro estágio chama-se Brilhante [sânsc. Prabhakari] porque surge a pacificadora luz da sabedoria. Geram-se as concentrações e clarividências, enquanto o desejo e o ódio são de todo extintos. Pela maturação dessas qualidades, a perfeição da paciência torna-se suprema; extinguindo-se o desejo por completo, torna-se um grande e sábio rei dos deuses.

O quarto estágio é chamado Radiante [sânsc. Archishtamani] porque surge a luz da verdadeira sabedoria, na qual ele cultiva de modo supremo as práticas que auxiliam a iluminação. Pela maturação dessas qualidades, ele se torna um rei dos deuses no paraíso Yama, hábil em impedir o surgimento da concepção de que a conjunção transitória seja a natureza intrínseca.

O quinto estágio chama-se Difícil de Superar [sânsc. Sudurjaya] porque os perversos acham dificílimo subjugá-lo; ele se torna capaz de conhecer os significados sutis das verdades nobres e afins. Pela maturação dessas qualidades, ele se torna um rei dos deuses, que habita o paraíso Tushita, supera as fontes de aflição e as opiniões de todos os tirthikas.

O sexto estágio é chamado Aproximação [sânsc. Abhimukhi] porque ele se aproxima das qualidades de um Buddha; pela familiaridade com a quietude permanente e com a sabedoria diferenciadora, ele atinge a cessação e, portanto, avança na sabedoria. Pela maturação dessas qualidades, ele se torna um rei dos deuses no paraíso Nirmanarati. Os shravakas não podem superá-lo: ele pacifica os que têm o orgulho da superioridade.

O sétimo estágio é o Afastado [sânsc. Duramgama], porque o número de suas qualidades aumentou e em qualquer momento ele pode adentrar o equilíbrio da cessação. Pela maturação dessas qualidades, ele se torna um senhor dos deuses no paraíso Paranirmitavasavartin, torna-se um grande mestre de mestres porque conhece a realização direta das verdades nobres.

O oitavo estágio é chamado Imutável [sânsc. Achala], o estágio vigoroso; devido à sua não-conceitualidade, ele é imóvel e as esferas de atividade de seu corpo, fala e mente são inconcebíveis. Pela maturação dessas qualidades, ele se torna um Brahma, senhor de mil mundos; arhats, pratyeka-buddhas e afins não podem superá-lo em elucidar o significados das doutrinas.

O nono estágio é chamado Inteligência Perfeita [sânsc. Sadhuma]; como um regente, ele atingiu a realização individual correta e, portanto, tem inteligência perfeita. Pela maturação dessas qualidades, ele se torna um Brahma que é senhor de um milhão de mundos; os arhats e afins não podem superá-lo em responder às questões dos pensamentos dos seres sencientes.

O décimo estágio é a Nuvem do Dharma [sânsc. Dharma-megha] porque cai a chuva da doutrina excelente; o bodhisattva é consagrado com luz pelos Buddhas. Pela maturação dessas qualidades, ele se torna um senhor dos deuses de Morada Pura, ele é um grande soberano supremo, senhor da esfera da sabedoria infinita.

Assim, estes dez estágios são celebrados como os dez dos bodhisattvas; o que se refere ao Estágio de Buddha [sânsc. Buddha-bhumi] é diferente porque, inconcebível de todas as maneiras, diz-se que sua extensão ilimitada abraça os dez poderes; cada um de seus poderes também é incomensurável como o número ilimitado de todos os seres que transmigram. Afirma-se que o ilimitado das qualidades de um Buddha é igual ao do espaço, da terra, da água, do fogo e do ar, em todas as direções.

(Nagarjuna, Rajaparikatha Ratnamala)

De um modo geral, os principais bodhisattvas são três: Avalokiteshvara, associado à compaixão (sânsc. karuna) que elimina o veneno do apego (desejo); Manjushri, associado à sabedoria (sânsc. prajna) que elimina o veneno da ignorância (desconhecimento); e Vajrapani, associado aos métodos ou meios hábeis (sânsc. upaya) que eliminam o veneno da raiva (ódio, aversão).

Na China, quatro bodhisattvas são associados a montanhas sagradas: Avalokiteshvara (chin. Kuan-yin), Manjushri (chin.Wen-shu), Samantabhadra (chin. P'u-hsien) e Kshitigarbha (chin. T'i-ts'ang).

Principais Bodhisattvas

Avalokiteshvara

(chin. Kuan-yin, Kuan-hsi-yin; jap. Kannon, Kanzeon, Kanjizai; tib. Chenrezig/ spyan ras gzigs)

"Aquele que ouve os sons de todos os mundos", é o bodhisattva da compaixão, o mais venerado de todo o buddhismo Mahayana. Segundo as lendas, ele nasceu de um raio de luz, emanado pelo dhyani-buddha Amitaba. Das lágrimas de Avalokiteshvara, teria nascido Tara (chin. Tuo-luo, jap. Tarani, tib Drölma/ sgrol ma), o aspecto feminino da compaixão, que manifesta 21 emanações para ajudar os seres. Na China, onde Avalokiteshvara também é um ser feminino, sua montanha sagrada é P'u-t'o'-shan (província de Chekiang).


Samantabhadra
(chin. Pu-hsian, jap. Fugen, tib. Kuntuzanpo/ kun tu bzang po)

"Toda bondade"; protetor daqueles que ensinam o Dharma. No Tibet, ele é o bodhisattva das oferendas supremas; em seu aspecto dharmakaya, abraçando a consorte Samantabhadri, ele é o Buddha primordial da escola Ningyma representado a não-dualidade. Na China, sua montanha sagrada é O-mei-shan (província de Si-chuan).


Manjushri
(chin. Wen-shu, jap. Monju, tib. Jampel/ 'jam dpal)

"Fala nobre", o bodhisattva da sabedoria, que geralmente é representado com uma espada (para cortar as delusões) e uma escritura.
Na China, sua montanha sagrada é Wu-t'ai-shan (província de Shansi).


Maitreya

(chin. Mi-le, jap. Miroku, tib. Jampa/ byams pa)

"O amoroso"; o buddha do futuro, que deverá aparecer para restaurar o Dharma quando os ensinamentos de Buddha Shakyamuni desaparecerem.

Segundo alguns textos, ele está no paraíso de Tushita e nascerá como um Buddha daqui a trinta mil anos. Na China, ele é popularmente conhecido como o "Buddha da Felicidade".


Vajrapani

(chin. Chin-kang, jap. Kongôyasha, tib. Chagna Dorje/ phyag na rdo rje)

Um dos dharmapalas, ou protetores do dharma, associado aos meios hábeis, ao poder do método.
Seu aspecto irado simbolicamente representa que Vajrapani destrói os venenos mentais, como a ignorância, o ódio e o apego.

Kshitigarbha

(chin. T'i-t'sang, jap. Jizô, tib. Sainyingpo/ sa'i snying po)

"Aquele que abarca a terra"; bastante conhecido no Japão como protetor das crianças mortas e libertador dos tormentos.

Na China, sua montanha sagrada é Chi-hua-shan (província de Anhwei).

Mahastamaprapta

(chin. Shih-tzu, jap. Seishi)

"Aquele que obteve grande força"; ele representa o poder e a sabedoria do dhyani-buddha Amitaba concedendo o conhecimento necessário para despertar a natureza búddhica e ajudando os seres a alcançar a iluminação.

Akashagarbha

(chin. Hsü-k'ung-t'sang, jap. Kokûzô, tib. Namkhai Nyinpo/ nam mkha'i snying po)


"Aquele que abarca o espaço"; o guardião de bênçãos e tesouros infinitos, associado à sabedoria e à compaixão.
Diz-se que que todo aquele que praticar rigorosamente os seus métodos conseguirá alcançar a sabedoria de buddha e se tornar iluminado.




Flor de Lótus




Avalokiteshvara

"Há inumeráveis eras, mil príncipes juraram tornar-se budas. E Avalokiteshvara prometeu não obter a iluminação até que todos os outros mil príncipes a tivessem conseguido. Na sua infinita compaixão, ele também fez o voto de liberar todos os seres sencientes do sofrimento dos vários reinos do samsara. Diante dos budas das dez direções, ele rezou: “Possa eu ajudar todos os seres, e se alguma vez cansar nesse trabalho imenso, possa o meu corpo ser despedaçado em mil partes”. Conta-se que primeiro ele desceu aos infernos, subindo gradualmente através do mundo dos fantasmas famintos até o reino dos deuses. De lá olhou para baixo e viu horrorizado que, embora tivesse salvo inúmeros seres do inferno, incontáveis outros estavam caindo lá. Isso o deixou na mais profunda dor. Por um instante ele quase perdeu a fé no seu nobre voto, e seu corpo explodiu em mil pedaços. Em desespero, pediu ajuda a todos os budas, que vieram em sua direção de todos os recantos do universo, como uma suave tempestade de neve com seus flocos brancos. Os budas deixaram-no inteiro de novo, e a partir de então Avalokiteshvara tem onze cabeças e mil braços, e em cada palma das mil mãos tem um olho, significando a união da sabedoria e dos meios hábeis – marca da verdadeira compaixão. Nessa forma ele ficou ainda mais resplandecente e poderoso do que antes para ajudar todos os seres!”.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Parte 2

6. Montando no boi e trazendo-o de volta à casa


Cavalgando livre como o ar, ele volta animadamente para casa
Através da bruma a tarde, de capa e amplo chapéu de palha.
Aonde quer que vá, produz uma brisa fresca
Enquanto uma profunda tranqüilidade domina em seu coração.
Esse boi não precisa nem de uma folha de relva.

7. O boi foi esquecido, ele está só


Somente no boi poderia chegar à casa
Mas eis que agora o boi desapareceu
E o homem se senta, sozinho e tranquilo.
O rubro sol anda alto no céu
Enquanto ele sonha placidamente.
Ao longe, sob o telhado de palma
Jazem seu chicote inútil e seu laço inútil.

8. Esquecido do boi e de si mesmo


O chicote, o laço, o boi e o homem pertencem igualmente ao vazio.
Tão vasto e infinito é o céu azul
Que não pode atingi-lo.
Conceito de nenhuma espécie.
Sobre um fogo ardente, um floco de neve não pode subsistir.
Quando a mente atinge esse estado,
Chega finalmente a compreensão
Do espírito dos antigos ancestrais.

9. Voltando à fonte


Ele voltou à origem, retornou à fonte,
Mas foi em vão que tomou suas providências.
É com se estivesse agora cego e surdo.
Sentado em sua cabana, não almeja as coisas que estão fora.
Os riachos serpenteiam por si mesmos,
As flores vermelhas desabrocham naturalmente vermelhas.

10. Entrando na praça do mercado com mãos serviçais


Com o peito descoberto e descalço, ele entra na praça do mercado.
Enlameado e empoeirado, como sorri mostrando os dentes!
Sem recorrer a místicos poderes,
faz árvores secas florescerem de repente.

Parte 1

1. Procurando o boi


Desolado através das florestas e aterrorizado nas selvas, ele procura um boi que não encontra.
Acima e abaixo, rios escuros, sem nome espraiados;
Em matas espessas ele percorre muitas trilhas.
Cansado até os ossos, com o coração pesado, continua a buscar algo que não pode encontrar.
Ao entardecer, escuta cigarras gorjeando nas árvores.

2. Encontrando os rastros


Viu pegadas sem número
Na floresta e à margem das águas.
Em que distâncias vê ele a relva pisada?
Mesmo as gargantas mais profundas das mais altas montanhas
Não podem esconder o focinho desse boi que toca diretamente o céu.

3. Primeiro vislumbre do boi


Um rouxinol gorjeia num ramo,
O som brilha nos salgueiros ondulantes.
Ali está o
boi, onde poderia esconder-se?
Essa esplêndida cabeça, esses cornos majestosos,
Que artista poderia retratá-lo?

4. Agarrando o boi


Ele precisa agarrar o laço com firmeza e não deixá-lo escapar
Porque o boi tem ainda tendências doentias.
Ora se precipita para as montanhas,
Ora vagueia numa garganta nevoenta.

5. Domando o boi


Ele deve segurar com firmeza o cabresto e não permitir ao boi vaguear
Para que não se extravie por lugares lamacentos.
Devidamente cuidado, torna-se limpo e gentil.
Solto, segue de bom grado a seu dono.

Um conto zen: "Por que as palavras?"

Um monge aproximou-se de seu mestre — que se encontrava em meditação no pátio do templo à luz da Lua — com uma grande dúvida:

"Mestre, aprendi que confiar nas palavras é ilusório; e diante das palavras, o verdadeiro sentido surge através do silêncio. Mas vejo que os sutras e as recitações são feitas de palavras; que o ensinamento é transmitido pela voz. Se o Dharma está além dos termos, porque os termos são usados para defini-lo?"

O velho sábio respondeu: "As palavras são como um dedo apontando para a Lua; cuida de saber olhar para a Lua, não se preocupe com o dedo que a aponta."

O monge replicou: "Mas eu não poderia olhar a Lua, sem precisar que algum dedo alheio a indique?"

"Poderia," confirmou o mestre, "e assim tu o farás, pois ninguém mais pode olhar a lua por ti. As palavras são como bolhas de sabão: frágeis e inconsistentes, desaparecem quando em contato prolongado com o ar. A Lua está e sempre esteve à vista. O Dharma é eterno e completamente revelado. As palavras não podem revelar o que já está revelado desde o Primeiro Princípio."

"Então," o monge perguntou, "por que os homens precisam que lhes seja revelado o que já é de seu conhecimento?"

"Porque," completou o sábio, "da mesma forma que ver a Lua todas as noites faz com que os homens se esqueçam dela pelo simples costume de aceitar sua existência como fato consumado, assim também os homens não confiam na verdade já revelada pelo simples fato dela se manifestar em todas as coisas, sem distinção. Desta forma, as palavras são um subterfúgio, um adorno para embelezar e atrair nossa atenção. E como qualquer adorno, pode ser valorizado mais do que é necessário."

O mestre ficou em silêncio durante muito tempo. Então, de súbito, simplesmente apontou para a lua.

Um monge perguntou para o mestre:
"Mestre, por favor, me ensine o segredo do buddhismo."
"Ah sim, mas hoje tem muita gente, quando tiver mais ninguém, vou te ensinar", disse o mestre.
No dia seguinte, o monge chegou de novo:
"Mestre, tem mais ninguém, me ensine agora."
"Ah, vem cá."
E foi para o jardim. Aí o mestre disse:
"Está vendo? Esta árvore é alta e aquela outra é baixa. Este é que é o segredo do buddhismo."

(Ryotan Tokuda Igarashi, Psicologia Budista)